Magnetização quase instantânea da matéria pela luz

A produção de dispositivos destinados ao armazenamento ou à
transmissão de informações é uma das aplicações tecnológicas mais usuais
do magnetismo. Um estudo, experimental e teórico, desenvolvido no
Instituto de Física (IF) da USP, descobriu uma maneira ultrarrápida de
magnetizar a matéria, com consumo mínimo de energia.
Trata-se de magnetização por meio da luz. Uma lâmpada de 50 watts
situada a poucos centímetros de uma placa de seleneto de európio (EuSe) é
capaz de magnetizá-la no intervalo de tempo de 50 picossegundos (50
trilionésimos de segundo). Artigo a respeito acaba de ser publicado na Physical Review Letters, no artigo Ultrafast light switching of ferromagnetism in EuSe.
A pesquisa, feita por André Bohomoletz Henriques, professor titular
do IF, e colaboradores tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp).
“Nosso objetivo foi encontrar novos mecanismos para alterar a
imantação de materiais, em escala de tempo ultracurta, utilizando apenas
a luz. A novidade da pesquisa foi viabilizar magnetizações muito
grandes com quantidades muito pequenas de luz”, disse Henriques à
Agência Fapesp.
O processo foi obtido experimentalmente no Laboratório de
Magneto-Óptica da USP, mas a interpretação do fenômeno exigiu do grupo
liderado por Henriques um trabalho teórico de peso, que envolveu tarefas
como cálculos autoconsistentes de mecânica quântica e simulações de
Monte Carlo.
A magnetização (ou imantação) de um material decorre do ordenamento
espacial dos spins de suas partículas constituintes. Na matéria não
imantada, os spins dos átomos (resultantes dos spins de seus elétrons)
apresentam-se desordenados. Como se trata de grandeza vetorial, o spin
de cada átomo aponta para uma direção arbitrária. Em determinadas
situações, a passagem da luz é capaz de ordenar esses spins e, por
decorrência, magnetizar completamente um material inicialmente
desordenado. O processo de imantação pela luz está ilustrado na figura a
seguir.
O material escolhido para o experimento foi o semicondutor seleneto
de európio (EuSe). Nele, cada fóton de luz ordenou os spins de 6 mil
elétrons.
“Isso ocorre porque, ao interagir com um elétron, o fóton o promove
de um estado fortemente localizado no átomo para um estado que se
estende sobre muitos átomos. O resultado é que, em um intervalo de tempo
extraordinariamente curto, de cerca de 50 picossegundos, todos os
átomos existentes dentro do alcance da função de onda do elétron giram
seus spins para uma direção comum, gerando um momento magnético
supergigante, de 6 mil magnétons de Bohr. Isso equivale ao momento
magnético de 6 mil elétrons com os seus spins apontados todos na mesma
direção. O resultado, considerado inesperado e espetacular pelos
revisores da Physical Review Letters, foi que com um único fóton conseguimos alinhar o spin de 6 mil elétrons”, explicou Henriques.
Popularmente, o spin é concebido como uma rotação da partícula em
torno de um eixo, mas essa concepção não corresponde à realidade. Serve
apenas para, na imaginação, associarmos à partícula uma corrente
elétrica, que equivale a um momento magnético.
Assim como possuem massa inercial e carga elétrica, as partículas têm
também uma terceira propriedade física chamada spin. Tal propriedade,
caracterizada por meio de um vetor (isto é, uma grandeza com magnitude,
direção e sentido), descreve o momento magnético da partícula. Assim
como a agulha de uma bússola, que por possuir momento magnético sofre um
torque no campo magnético da Terra que a orienta na direção Norte-Sul,
também o spin de uma partícula tende a se orientar na direção do campo
magnético que atua sobre ela.
“Para magnetizar o seleneto de európio, o fóton deve ter energia
suficiente para transferir um elétron de uma órbita muito próxima do
núcleo atômico para uma órbita distante, já na banda de condução. Uma
vez promovido, esse elétron passa a interagir magneticamente com
milhares de átomos à sua volta. É a interação entre o momento magnético
do elétron e os momentos magnéticos dos átomos ao redor que gera o
alinhamento dos spins”, disse Henriques.
Interação antiferromagnética
O seleneto de európio foi escolhido como material devido à sua alta
suscetibilidade magnética – isto é, à forte tendência dos spins dos
átomos de európio a se alinharem sob o efeito de um campo magnético
muito pequeno.
“Além de existir interação magnética entre o elétron e os átomos do
európio, existe também interação magnética entre os próprios átomos de
európio. A interação entre os primeiros vizinhos é ferromagnética – ou
seja, favorece o alinhamento na mesma direção e sentido. Porém a
interação entre segundos vizinhos é antiferromagnética, favorecendo o
alinhamento em sentidos opostos”, disse Henriques.
“Essas duas interações quase se cancelam, mas prevalece, por muito
pouco, a interação antiferromagnética. Por isso, em condições comuns, o
material se apresenta no estado antiferromagnético, sem imantação.
Porém, qualquer pequena perturbação, como a presença do elétron, pode
interferir nesse delicado balanço de interações e favorecer o estado
ferromagnético – isto é, o alinhamento de todos os spins do cristal, na
mesma direção e sentido, magnetizando quase instantaneamente o
material”, disse.
Há diferentes formas de interação magnética. A mais conhecida é a
interação dipolar, que caracteriza a atração entre dois ímãs. Mas existe
também a interação de troca (exchange interaction), que é muito mais forte, e que determina a própria imantação de uma agulha de bússola ou de um ímã de geladeira.
A interação de troca, de origem eletrostática, constitui um fenômeno
quântico, decorrente do Princípio de Exclusão de Pauli, sem análogo na
física clássica. É esse processo que possibilita a imantação
ultrarrápida da matéria por meio da luz, com consumo mínimo de energia.
Embora o presente estudo tenha se dado no âmbito estrito da pesquisa
básica, os pesquisadores que o conduziram não estão desatentos às
eventuais aplicações tecnológicas, em um contexto de avanço acelerado da
indústria eletrônica. Segundo editorial de março de 2018 da revista Nature Physics,
a manipulação do magnetismo nos materiais antiferromagnéticos, como o
seleneto de európio, é um campo de pesquisa emergente que tem um
promissor potencial para aplicação em dispositivos eletrônicos.
José Tadeu Arantes / Agência Fapesp (Leia o texto original aqui)
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