Cientistas da USP avaliam potencial de vida em lua de Júpiter
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Europa, lua de Júpiter, é um dos locais no espaço com maior potencial para abrigar vida detectado até o momento – Fotomontagem: Moisés Dorado sobre fotos Nasa JPL/DLR; ESA e A. Simon / Domínio público via Wikimedia Commons |
Modelo criado se baseia nas condições ambientais semelhantes da lua Europa e de uma mina de ouro onde foi encontrada bactéria
Uma
das grandes questões atemporais da Humanidade é se estamos, de fato,
sozinhos no universo. E, ao contrário do que muitos pensam, além de
planetas, como o nosso, existe a possibilidade de ela existir também em
satélites naturais. Com esse intuito surge a pesquisa teórica de um
grupo de cientistas da USP, que não precisaram sair do planeta Terra
para estudar a habitabilidade microbiana em Europa, uma das 69 luas de
Júpiter.
A lua Europa é considerada por muitos especialistas um lugar fora da
Terra com um grande potencial de abrigar vida. Isso porque foi conhecido
que, além de gás carbônico, água oxigenada e enxofre, ela contém água e
oxigênio, elementos fundamentais para o desenvolvimento de seres
vivos.
Em uma mina de ouro em Mponeng, África do Sul, localizada a 2,8
quilômetros de profundidade, foi descoberta a presença da bactéria Candidatus Desulforudis audaxviator. O
grupo de pesquisadores se deu conta de que os parâmetros ambientais do
local coincidiam aos da lua jupiteriana, fato que foi decisivo para o
surgimento da pesquisa, mesmo não havendo ainda conhecimentos detalhados
da superfície de Europa.
Assim surgiu o estudo
desenvolvido por Thiago Altair Ferreira, graduado em Química pelo
Instituto de Química (IQ) e mestrando no programa de Física Biomolecular
do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, Marcio Guilherme
Bronzato de Avellar, bacharel em Ciências Moleculares e doutor em
Astrofísica pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências
Atmosféricas (IAG) da USP, Douglas Galante, bacharel em Ciências
Moleculares, pós-doutor do IAG e pesquisador do Laboratório Nacional de
Luz Síncrotron (LNLS/CNPEM), e Fabio Rodrigues, graduado em Ciências
Moleculares, pós-doutor e docente pelo IQ.
A mina e a lua
“Procuramos modelar a habitabilidade da subsuperfície para vários
cenários, com grande variação de grandezas que podem interferir na
sobrevivência de células bacterianas. A bactéria Candidatus habita
um ambiente aquoso em grande profundidade, com alta pressão, total
ausência de luz e de oxigênio, tal como esperamos ser a subsuperfície de
Europa, onde um oceano da ordem de centenas de quilômetros de
profundidade recobre um centro rochoso e é recoberto por uma camada de
gelo de dezenas de quilômetros de espessura”, disse Thiago Altair
Ferreira ao Jornal da USP.
Além disso, foi prevista a presença de material que sofre decaimento
radioativo, tal como urânio-238, tório-232 e potássio-40. Estima-se que
tais materiais existam em corpos rochosos em todo o Sistema Solar. É da
interação da radiação dessas espécies atômicas com a água do oceano que a
bactéria obtém a energia para seu metabolismo. “Foi a primeira vez que
se observou um ecossistema que subsiste diretamente com base na energia
nuclear”, disse o coordenador do estudo, Douglas Galante, à Agência Fapesp.
A analogia quanto à mina e a lua é justificada pelos fatores
físico-químicos. Mas os pesquisadores reconhecem que, pelo fato de ainda
serem desconhecidas informações sobre a sua superfície, é difícil
confirmar com segurança tal semelhança.
“No caso da região de Witwatersrand, por exemplo, onde se situa a
mina de Mponeng, há certa diversidade de condições constatadas por
análise geoquímica (tais como temperatura local e pH do meio aquoso)
que, a princípio, não apresentaram correlação direta com a profundidade.
Não devemos imaginar que toda subsuperfície de Europa é da forma como
modelamos, mas sim que podem existir nichos onde a radioatividade pode
tornar o ambiente habitável por organismos como a bactéria de nosso
estudo”, esclareceu Ferreira.
Não devemos imaginar que toda subsuperfície de Europa é da forma como modelamos, mas sim que podem existir nichos onde a radioatividade pode tornar o ambiente habitável por organismos como a bactéria de nosso estudo.”
Perguntado sobre a possibilidade de haver ecossistemas com
características tão extremas aqui no Brasil, Thiago Ferreira explica que
o subsolo do País não é tão explorado, então não há, por enquanto,
nenhum local conhecido com condições próximas às da mina da África. “A
região onde se encontrou o organismo Ca. D. audaxviator, a bacia
de Witwatersrand, é conhecida por ser a formação geológica mais antiga
da Terra, estimam a formação entre 3 a 2,7 bilhões de anos atrás e a
exploração subterrânea local é motivada pela mineração de ouro,
levando à preparação de minas da ordem de quilômetros de profundidade da
superfície. Há ainda muito o que ser explorado no mundo sobre os
ambientes de profundidade, inclusive no Brasil”, afirmou .
A Nasa, Agência Espacial Norte-Americana, e a ESA, Agência Espacial
Europeia, já possuem planos e estão investindo pesado em expedições para
a década de 2020, momento que os cientistas do mundo todo aguardam com
ansiedade.
O artigo, assinado pelos quatro pesquisadores, foi publicado em Scientific Reports, periódico do grupo Nature.
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